sábado, 25 de junho de 2011

Ensaio sobre a nudez.

Naquela manhã, todos foram surpreendidos por um súbito desejo: ficar nu. Das camadas mais inferiores até o topo da pirâmide social o desejo de despir-se aflorou. Era um sentimento que parecia normal, assim como outrora parecia-se normal vestir-se, agora parecia normal expor amplamente o corpo.
Os primeiros a sair na rua, surpreenderam-se ao ver outros que passavam pelo mesmo, mas o que realmente era estranho: ninguém, em nenhuma hora, demonstrou vergonha ou tesão, ou desejos incontinentes. Assim, saiam todos de suas casas com largos sorrisos no rosto; comentavam uns com os outros sobre a causa, era uma divertida cena: não havia barreiras nos relacionamentos; todos falavam de como se sentiam bem, de como era confortável sentir o vento beijar suas vergonhas. Questionavam-se como até hoje não haviam experimentado essa libertação. Nos ônibus, mesmo os cheios, parecia que todos eram velhos amigos, todos mostrando o que realmente eram. Uma grossa barreira caía junto com aquelas roupas; começavam a surgir pessoas, pessoas em mesma situação preocupadas em desfrutar a nudez.
Nos jornais, o surto não foi comentado. Não era um problema já que todos acostumaram-se. A única coisa que foi comentada: o déficit na indústria têxtil. Empresários se manifestavam nus. Num jornal de grande circulação, a principal notícia do caderno de economia: “Nudez arrasa indústria têxtil”. Alguns, que se apegaram ao naturalismo, protestavam colocando fogo em grandes lojas de grife, mas não foi o suficiente para instaurar-se o caos.
O dia prosseguiu. A felicidade de estar à vontade consigo mesmo contagiava a todos. O fim do dia foi como uma sexta, ou um feriado: todos reunidos comendo, dançando, divertindo-se na piscina, no cinema, no teatro, na balada, porém, nus. Alguns foram dormir espatifados e arreganhados na cama. A noite não foi silenciosa, mas não tinha quem reclamasse; ninguém estava insatisfeito; ninguém estava com roupa. Os mais condecorados ainda levavam, ao pé, um sapato ou uma chinela, mas as (antigamente chamadas) vergonhas: sempre livres.
Assim, desfaleceu a noite. Quando às 3h da madrugada, todos foram tomados por um súbito sono (tão surpreendente quanto o desejo de mais cedo) e repousaram. Alguns ainda sorriam. Nas casas de show, até na rua não havia ninguém de olhos abertos. E, completamente, o dia findou.
No primeiro raio de sol, os olhos: abriram-se, as forças: recuperaram-se, olhou-se para o corpo, e envergonhou-se. Não queriam mais estar nus. Nas ruas, corria-se procurando algo para tapar-se; choravam questionando-se porque sentiam vergonha da nudez, por que necessitavam cobrir-se? Os mais bastardos financeiramente corriam para suas fortalezas para empacotar-se; os humildes se indignavam por ter que preocupar-se novamente com as vestimentas.
Todos vestiram suas roupas e voltaram a ignorar uns aos outros, como faziam todos os dias, porém, todos, no fundo, sentiam-se iguais, uns aos outros, pois todos já tinham visto a nudez alheia.

2 comentários:

  1. Tentei ignorar os lados negativos do "surto da nudez", mas se vc, com todo seu pessimisto quiser pensar nele, sinta-se à vontade

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  2. Nossa velho deve ser muito bom..Eu fico me imaginando correndo pelado pela beira mar apenas com um tenis...kkkkkkkkk muito bom :)

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